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Laudêmio e regime de ocupação: a sutil alteração na legislação sobre terrenos de marinha

Escrito por Rodrigo Marcos Antônio Rodrigues em 18 de fevereiro de 2.016.

Algo que não passou despercebido por mim, no texto da nova Lei 13.240/2015, foi a jogada sutil do Governo em encerrar uma discussão iniciada no judiciário, alterando, para tanto, o artigo 3° do Decreto-lei n. 2.398/1987.

Há alguns anos atrás fiz um estudo em que detectei acórdãos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região julgando indevida a cobrança de laudêmio nas transações onerosas envolvendo imóveis da União cadastrados sob o regime de ocupação. As decisões são fundamentadas na revogação do art. 130 do Decreto-lei n. 9.760/1946 pelo art. 9° do Decreto-lei n. 2.398/1987.

Em resumo, o entendimento posto naquelas decisões é que o Decreto-lei de 1987, em seu artigo 3°, não prevê a cobrança de laudêmio para os imóveis submetidos ao regime de ocupação, somente para os enfitêuticos.

Isso ocorreu, a meu ver, devido a uma interpretação equivocada do art. 3°, no que diz respeito ao conceito de “ocupação”. A redação original do artigo é a seguinte:

“Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direitos a eles relativos”.

O equívoco repousa em não conferir o regime de ocupação à transferência dos “direitos sobre benfeitorias”, por um simples motivo: o regime de ocupação não confere direito algum ao ocupante SOBRE o terreno, somente o autoriza a ocupá-lo precariamente. O que se transfere, de fato, são as benfeitorias construídas no terreno. Não bastasse isso, o artigo 3° foi regulamentado pelo Decreto n. 95.760/1988, o qual faz expressa menção do regime a que se refere a transferência onerosa, em seu artigo 10.:

“A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União (aforamento) ou de direitos sobre benfeitorias nele construídas (ocupação) e cessão de direito a ele relativas regem-se pelo disposto neste decreto”.

Torna-se importante, na aplicação do dispositivo que constava do artigo terceiro, não confundir: “cessão de direitos de ocupação” com “cessão de direitos sobre o terreno”.

De qualquer forma, esse meu entendimento já coadunava com o que vinha sendo decidido pelo Superior Tribunal de Justiça.

A grande jogada do Governo foi aproveitar a modificação do aludido artigo 3o., pela Medida Provisória n. 691 convertida na Lei n. 13.240, que teve por objetivo principal excluir as benfeitorias da cobrança de laudêmio, para promover a referida “sutil” alteração em que o novo texto passa a deixar claro que será devido o laudêmio nas transferências onerosas “da inscrição de ocupação do terreno”, dessa forma sepultando novas discussões na seara jurídica sobre a incidência ou não do laudêmio na transferência onerosa dos “direitos de ocupação”.

Como se vê, uma simples troca de palavras objetiva muito mais do que o “aperfeiçoamento” de uma legislação.

Saudações,

Rodrigo Marcos Antônio Rodrigues é advogado, pós-graduado em Direito Notarial e Registral Imobiliário, autor do livro Curso de Terrenos de Marinha e seus Acrescidos, cuja segunda edição revisada e atualizada será publicada neste ano pela Editora Pillares.

Rodrigo Marcos